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A cada 90 minutos, uma mulher é assassinada no Brasil

Foto: Divulgação

Desde que foi criado, em 2008, mais de 16 mil mulheres procuraram o Núcleo de Defesa da Mulher da Defensoria Pública

“Acho que eu gostava mais dele do que de mim. Pensei que fosse me libertar daquela situação sem ajuda, mas, não foi assim. Depois de anos sendo agredida pelo meu marido, finalmente procurei a Delegacia. Deveria ter sido no início, logo quando ele começou a me bater, mas a cabeça da gente parece que só funciona no impacto”.

Foi assim com a costureira Norma Vitória. Casada à época, mãe de três filhos, dependente do marido, ela sobreviveu às agressões do companheiro durante 13 anos. Até o dia em que, depois de inconformado com a separação, ele a procurou para, mais uma vez, provar que a força física imperava. Foi preso. Ficou detido por três dias. Nunca mais procurou a ex-esposa.

Em todo o mundo, as histórias se repetem. São Normas, Joanas, Célias ou Marias. Todas elas trazem relatos comuns de relações violentas, agressões físicas, verbais ou psicológicas cometidas por namorados, maridos ou companheiros. Em alguns casos, cansadas de serem vítimas, elas resolvem procurar ajuda e romper com o círculo vicioso. Noutros, a história não tem um final feliz. Apenas no Brasil, a cada 90 minutos, uma mulher é assassinada. Segundo dados do Banco Mundial, mulheres de 15 a 44 anos correm mais risco de sofrer estupro e violência doméstica do que serem vítimas do câncer, acidentes de carro, guerra e malária.

APOIO

“Nos últimos cinco anos, o trabalho na atenção jurídica a mulheres em situação de violência doméstica e familiar permitiu à Defensoria Pública conhecer a gravidade da violência contra milhões de mulheres no país. Pudemos verificar que o desconhecimento dos direitos e dos procedimentos para a resolução das questões jurídicas de enfrentamento à violência gera desencantos e sofrimentos na trajetória de rompimento desse ciclo tão complexo em que muitas mulheres se encontram”, afirma a coordenadora do Núcleo de Defesa da Mulher da Defensoria Pública da Bahia – NUDEM, Firmiane Venâncio. Desde que foi criado, em 2008, mais de 16 mil mulheres procuraram a Unidade para receberem assistência jurídica. Apenas em 2013, 4.257 foram atendidas.

Ao procurar a Defensoria Pública, a vítima de violência é atendida pelas defensoras, que analisam a situação apresentada e verificam que medidas deverão ser adotadas. Dependendo do caso, a instituição poderá entrar com ações de medidas protetivas – medidas de urgência, em casos onde a vítima corre sério risco de ser agredida ao voltar para casa depois de fazer a denúncia. Entre elas, estão, por exemplo:

• Obrigar que o agressor seja afastado da casa ou do local de convivência da vítima;
• Proibir que o agressor se aproxime ou que mantenha contato com a vítima, familiares e testemunhas;
• Obrigar o agressor à prestação de alimentos para garantir que a vítima dependente financeiramente não fique sem recursos;
• Proibir temporariamente contratos de compra, venda ou aluguel de propriedades que sejam bens comuns.
Quem decide, no entanto, se há ou não necessidade de tomar essas medidas é o juiz.

Firmiane Venâncio lembra que, após ajuizar a ação, a Defensoria Pública ainda acompanha o caso, atuando em parceria junto à rede de proteção à mulher, que inclui Delegacia de Apoio à Mulher – DEAM, Ministério Público, Secretaria de Trabalho, Emprego e Renda – SETRE e Vara da Violência Doméstica. “Nossa obrigação é promover a atenção integral à assistida, trabalhando de forma articulada. Em casos onde o impedimento da separação da mulher se dá em virtude de uma dependência financeira, por exemplo, verificamos o perfil da assistida e a encaminhamos à SETRE, onde ela passará por cursos de qualificação que vão garantir sua empregabilidade. Se for um caso de necessidade urgente de afastamento do lar, também encaminhamos à Casa de Abrigo (local onde as mulheres em situação de risco são acolhidas)”, explicou a defensora.

Dar um basta nas agressões e procurar uma das Instituições que integram a rede de proteção e atenção à mulher, contudo, não é fácil, admite Cândida Ribeiro, pesquisadora do Núcleo de Estudos Interdisciplinares da UFBA, o NEIM. “Infelizmente, ainda há uma força muito grande do machismo. A violência contra a mulher é um problema social, complexo, que envolve a questão financeira, emocional. Ainda existem crenças que dizem respeito à manutenção da família acima de tudo”, explica. Para muitas mulheres, “manter a família unida” é a principal motivação na hora de ponderar se vale a pena denunciar o agressor ou interromper um processo. Para outras, depois de aberto o inquérito e da aparente “mudança” do companheiro, já é hora de acabar com o “mal entendido”.

FEMINICÍDIO

Os parceiros íntimos são os principais assassinos de mulheres. Segundo estudo do IPEA, aproximadamente 40% de todos os homicídios desse grupo no mundo é cometido por um parceiro íntimo. Em contraste, essa proporção é próxima a 6% entre os homens assassinados. Ou seja, a proporção de mulheres assassinadas por parceiro é 6,6 vezes maior do que a proporção de homens assassinados pela parceira.

Estima-se que, no país, de 2001 a 2011, ocorreram mais de 50 mil feminicídios. Em média, 5.664 mortes de mulheres por causas violentas a cada ano; 472 a cada mês; 15,52 a cada dia. 1/3 das mortes aconteceu na casa das vítimas.
De acordo com a pesquisa, as mulheres jovens foram as principais vítimas: mais da metade dos óbitos (54%) integravam o grupo de 20 a 39 anos. Do total de mortes, 61% foram de mulheres negras, as principais vítimas em todas as regiões do país, com exceção do Sul; 36% dos assassinatos ocorreram aos finais de semana, quando grande parte das Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher estão fechadas. Somente os domingos concentraram 19% das mortes.

A Bahia é o segundo estado com a maior taxa de homicídios a cada 100 mil mulheres (9,08), perdendo apenas para o Espírito Santo (11,24). Os números estão muito acima da média nacional, que é de (5,82).

LEI MARIA DA PENHA

Instituída em agosto de 2006, a Lei nº 11.340, mais conhecida como Lei Maria da Penha, é reconhecida pela ONU como uma das três melhores legislações do mundo no enfrentamento à violência contra as mulheres. Resultado de uma luta histórica dos movimentos feministas e de mulheres por uma legislação contra a impunidade da violência doméstica e familiar, a lei cria mecanismos importantes de atendimento humanizado, além de garantir o direito de proteção da vítima.

No entanto, sete anos depois de implantada, os números comprovam que muito mais do que uma legislação moderna, é preciso avançar nas mudanças de cultura e procedimentos de punição. Pesquisa do IPEA apontou que não houve redução das taxas anuais de mortalidade, comparando-se os períodos antes e depois da entrada em vigor da Lei Maria da Penha: as taxas de mortalidade por 100 mil mulheres foram 5,28 no período anterior à legislação (2001-2006) e 5,22 depois dela (2007-2011).

“É louvável qualquer espécie de mecanismo e de políticas públicas que valorizem e assegurem os direitos da mulher. Na Bahia, precisamos além da implantação de tais mecanismos, também do fortalecimento de toda a rede, como a criação de novas varas de violência contra a mulher, a construção de outras DEAMs e investimento em pessoal, como servidores e oficiais de justiça para a garantia da notificação do agressor”, destacou a defensora pública com atuação na vara de violência contra a Mulher, Carolina Araújo. A defensora, juntamente com a coordenadora do NUDEM, Firmiane Venâncio, participaram em novembro do ano passado, de audiência pública realizada na Assembleia Legislativa da Bahia para discutir a implantação do chamado “Botão do Pânico”. O dispositivo é um microtransmissor com GPS e funciona quando acionado pela vítima que está sob medida protetiva, caso o agressor não mantenha a distância mínima garantida pela Lei Maria da Penha. Ele capta e grava a conversa em um raio de até cinco metros. A gravação poderá ser utilizada como prova judicial. O equipamento também dispara informações para a Central Integrada de Operações e Monitoramento (CIOM), com a localização exata da vítima, para que um carro da Patrulha Maria da Penha seja enviado ao local. A iniciativa foi implantada inicialmente no Espírito Santo.

Também no ano passado, a Bahia passou a fazer parte do programa do governo federal Mulher, Viver sem Violência, que tem o objetivo de integrar os serviços públicos de atenção às mulheres em situação de violência, oferecendo atendimento humanizado e acesso à Lei Maria da Penha. A Defensoria Pública da Bahia está entre as Instituições a fazerem parte da Casa da Mulher Brasileira, local onde os serviços de atendimento à mulher vítima de violência estarão concentrados. A primeira unidade da CMB do país será construída na capital baiana, em terreno cedido pela União, próximo ao Hospital Sarah.

Além da DPE, outras instituições como Ministério Público, Juizado Especializado, DEAM, Sebrae, entre outras, também atuarão de maneira integrada para atender, orientar e capacitar mulheres vítimas de violência. A ideia é melhorar o atendimento a este grupo, tanto fisicamente quanto profissionalmente, e qualificar os agentes que atuam diretamente com as mulheres.

“A Casa da Mulher Brasileira servirá de suporte às vítimas de violência, seja qual for, a violência – doméstica, sexual ou psicológica – e vai fortalecer o trabalho da Secretaria de Políticas para as Mulheres não apenas no apoio a estas vítimas, mas, também em atuar na punição do agressor. É importante que o sistema jurídico esteja preparado para garantir no tempo adequado as medidas protetivas e, por outro lado, não permitir que agressores fiquem impunes”, destacou à época a ministra Eleonora Menicucci, da Secretaria de Políticas para as Mulheres.

Em Vitória da Conquista, além da Defensoria Pública, as mulheres contam com o apoio da delegacia especializada, além dos Núcleos Jurídicos da UESB, Fainor e FTC.