Com mandatos expedidos mensaleiros se entregam
Joaquim Barbosa foi caprichoso na execução das penas do mensalão. Poderia ter aguardado até segunda-feira para mandar prender os condenados. Preferiu apressar o passo. Levou trabalho para casa, lapidou os mandados de prisão até tarde da noite, e mandou recolher os presos em pleno feriado. Um feriado simbólico: 15 de novembro, Dia da Proclamação da República. Foi como se o ministro desejasse, por assim dizer, reproclamar a República.
Primeiro dos oito ministros indicados por Lula para o STF, Barbosa chegou ao tribunal graças à coloração de sua pele. Recém-empossado, em janeiro de 2003, Lula incumbiu o então ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos de encontrar um nome para o Supremo. Fez uma exigência: no melhor estilho ‘nunca antes na história’, queria nomear o primeiro ministro negro do STF.
Thomaz Bastos garimpou um negro de mostruário. Primogênito de oito filhos de um pedreiro com uma dona de casa da cidade mineira de Paracatu, Barbosa formara-se e pós-graduara-se na Universidade de Brasília. Passara pela Sorbonne, fora professor visitante de Columbia e lecionava na Universidade da Califórnia. De quebra, votara em Lula.
Indicado com “entusiasmo”, Barbosa tomou posse no STF em junho de 2003. Decorridos dez anos, frequenta o noticiário como uma espécie de coveiro do ex-PT. Lula procurava um negro. Encontrou um magistrado. Entre fazer média com o petismo e exercer o seu ofício, Barbosa optou pela lei.
No penúltimo lance do processo, Barbosa levou ao plenário a tese do fatiamento das penas. Fez isso para antecipar a execução dos pedaços das sentenças insuscetíveis de recurso. Prevaleceu no plenário. E impediu que o STF virasse Papai Noel dos condenados que questionaram parte dos veredictos por meio dos famosos embargos infringentes, ainda pendentes de apreciação.
Quarenta dias antes do Natal, em pleno Dia da Proclamação da República, Barbosa mandou para a cadeia uma dúzia de condenados graúdos – políticos, banqueiros, operadores de arcas eleitorais. Coisa nunca antes vista na história desse país, diria Lula se pudesse.
O PT critica as condenações. Dirceu e Genoino declaram-se presos políticos. Devem a perseguição a Lula e Dilma. Passaram pelo julgamento do mensalão, além de Barbosa, outros sete ministros indicados por Lula e quatro escolhidos por Dilma Rousseff.
Barbosa não foi a única autoridade brasiliense a celebrar o calendário. Dilma também anotou no Twitter: “Hoje comemoramos o 124º aniversário da Proclamação da República. A origem da palavra República nos ensina muito. A palavra República vem do latim e significa ‘coisa pública’. Ser a presidenta da República significa exatamente zelar e proteger a ‘coisa pública’, cuidar do bem comum, prevenir e combater a corrupção.”
Embora não tivesse a intenção, foi como se Dilma batesse palmas para o STF e para Barbosa, o magistrado que Lula imaginou que fosse apenas negro.
Nove réus condenados no julgamento do mensalão que tiveram mandados de prisão expedidos já se apresentaram à Polícia Federal.
CRONOLOGIA DO MENSALÃO
São eles: José Dirceu, ex-ministro da Casa Civil, condenado dez anos e dez meses de prisão; José Genoino, ex-presidente do PT, condenado a seis anos e 11 meses; Marcos Valério, operador do esquema, condenado a 40 anos de prisão; Cristiano Paz, ex-sócio de Marcos Valério, condenado a 25 anos 11 meses; Ramon Hollerbach, outro ex-sócio de Valério, condenado a 29 anos e sete meses; Romeu Queiroz, ex-deputado pelo PTB-MG, condenado a seis anos e seis meses; Simone Vasconcelos, ex-diretora da agência publicitária SMPB, condenada a 12 anos e sete meses; Jacinto Lamas, ex-tesoureiro do PL, condenado a cinco anos; e Kátia Rabello, ex-presidente do Banco Rural, condenada 16 anos e oito meses.
Outros três réus tiveram mandados de prisão expedidos nesta sexta pelo presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), ministro Joaquim Barbosa: Delúbio Soares, ex-tesoureiro do PT, condenado a oito anos e 11 meses; José Roberto Salgado, ex-vice-presidente do Banco Rural, condenado a 16 anos e oito meses; e Henrique Pizzolatto, ex-direitor de marketing do Banco do Brasil, condenado a 12 anos e sete meses.
Ao se apresentarem à polícia, o objetivo dos condenados é evitar o constrangimento de serem presos em casa.
De acordo com o Código Penal, nada impede que os mandados de prisão sejam cumpridos em finais de semana e feriados, desde que seja respeitada a chamada “inviolabilidade do domicílio” à noite –ou seja, a polícia não pode forçar o cumprimento de um mandado de prisão no caso de condenados que estejam em suas residências no período da noite.
O primeiro a se apresentar foi José Genoino, que saiu de sua casa no Butantã, na zona oeste de São Paulo, e chegou à superintendência da PF em São Paulo por volta das 18h.
Acompanhado da mulher, Rioco Kayano, e do advogado, Genoino entrou no prédio da PF pela porta da frente e foi aplaudido por militantes do PT, que gritaram mensagem de apoio ao petista. Já dentro da superintendência, Genoino gritou “Viva o PT”.
O Código Penal determina que os condenados com penas superiores a oito anos a cumpram em regime fechado; os apenados entre quatro e oito anos cumprem a sentença no regime semiaberto, quando trabalham e passam a noite em uma colônia penal; as penas inferiores a quatro anos são convertidas em prestação de serviços comunitários e pagamento de cestas básicas.
As penas começam a ser cumpridas mais de oito anos após a revelação do esquema de corrupção. Em 2005, o então deputado federal Roberto Jefferson delatou a compra de apoio de parlamentares durante o primeiro mandato do ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva (2003-2006).
TIPOS DE REGIME DE CUMPRIMENTO DE PENA
REGIME ABERTO: É aplicado para réus com penas menores que quatro anos e são convertidas em prestação de serviços
REGIME SEMIABERTO:É aplicado para réus condenados a penas entre quatro e oito anos. É executado em colônia agrícola ou similar. O condenado dorme na colônia e pode trabalhar fora da prisão
REGIME FECHADO:É aplicado para réus condenados a mais de oito anos de prisão e é cumprido em estabelecimento de segurança máxima ou média.
Operador do mensalão, Marcos Valério se entrega em BH
Operador do mensalão, o empresário Marcos Valério se apresentou às 20h48 desta sexta-feira (15) na sede da superintendência da Polícia Federal em Belo Horizonte (MG).
Valério foi condenado pelo STF por formação de quadrilha, corrupção ativa, peculato, lavagem de dinheiro e evasão de divisas, e a uma pena de 40 anos, 4 meses e 6 dias de prisão, além do pagamento de R$ 2,78 milhão em multas.
O empresário chegou acompanhado do seu advogado, Marcelo Leonardo, que já estivera na sede da PF conduzindo no seu Audi o ex-deputado Romeu Queiroz. Na época dos desvios financeiros, Queiroz presidia o PTB-MG.
Leonardo deixou o prédio da PF para se encontrar com Valério, que veio da fazenda em Caetanópolis que ele diz ter arrendado, em 2007. A fazenda fica 120 km de Belo Horizonte. Nem Valério nem o advogado deram entrevista.
Do lado de fora da Superintendência da PF, alguns curiosos se misturavam aos repórteres que acompanhavam as prisões dos mensaleiros.
Montado sobre uma motocicleta, Valeri Dornas, 50, tirou um megafone para fazer elogios ao trabalho da PF no mensalão.
Na chegada de Kátia Rabello, presidente do Banco Rural até a sua liquidação, em agosto passado, uma pessoa entre os curiosos gritou “devolve o meu dinheiro”. Ela se apresentou na companhia do advogado Maurício Campos Júnior, que dirigia o BMW. Rabello estava no banco de trás.
Cerca de meia hora após a sua chegada, parentes da banqueira chegaram à PF levando no banco de trás do Citroen um colchonete. Pouco depois o carro saiu sem o colchão. Um agente da PF informou se tratar de parentes de Kátia Rabello.
Sete dos condenados pelo Supremo devem se apresentar ainda nesta sexta-feira na sede da PF em Belo Horizonte (MG). É no Estado onde atuava o chamado núcleo operacional e financeiro do esquema, sob o comando de Valério.
Além de Valério, já se entregaram Cristiano de Mello Paz (ex-sócio-presidente das empresas SMP&B e da Graffiti), Simone Vasconcelos, ex-diretora da SMP&B, o ex-deputado Romeu Queiroz e a ex-presidente do Banco Rural Kátia Rabello.
Devem ainda se apresentar na capital mineira Ramon Hollerbach Cardoso (ex-sócio de Marcos Valério) e José Roberto Salgado (ex-diretor do Banco Rural).
Todos os presos em outros Estados, como em BH, serão transportados a Brasília em aeronave da Polícia Federal, ainda neste final de semana, segundo a corporação.