Conciliação em forma de poesia resolve conflito
A empresa por sua vez respondeu também em versos, o problema se desfez e os dois estão satisfeitos.
Veja a íntegra dos poemas:
Poema Luiz Carlos Garcia
Senhor Presidente
Venho mui respeitosamente à presença de vossa senhoria
para apresentar e requerer o que se segue:
Venho à vossa senhoria externar o que me aborrece
se não pode perseverar aquilo que me entristece
O hidrômetro que marca e conta a água que aqui consumo
é como fumaça que espalha de um cigarro que não fumo
Desde que foi instalado o novo tecnológico instrumento
a cada leitura nele feito perco até os movimentos
Preocupado com a conta que sempre me mostra aumento
até contratei uma empresa que se diz caça-vazamento
Na verdade o que queia na lucidez do momento
era encontrar uma forma para estancar o tormento
E um trabalho dedicado puseram-se os homens a fazer
na busca de saber se o indicado eles poderiam resolver
Depois de muito procurar em canos, válvulas e torneiras
disseram-me algo encontrar que explicasse d’água a peneira
Puseram-se então a falar na rede, este trecho é o problema
se os canos daqui, for trocar resolvemos o seu dilema
Cem metros de cano comprei cola, lixa e conexões
depressa do comércio voltei atendendo as orientações
Fizeram toda tarefa da rede modificar
depois foram-se embora p’ra outras casas visitar
Grande foi a minha surpresa que nem sei como contar
fui consultar o hidrômetro e ver o que ele estava a marcar
Quando o olhei atentamente com tudo na casa fechado
lá estava o renitente a se mover, desesperado
Acreditar? Já não podia naquilo que ali, eu via
restou-me naquela agonia me apegar n’alguma magia
Aqui moro sozinho sem filhos, mulher,
empregado não lavo roupas, nem cozinho só no banho, o líquido é usado
Nem para beber uso água que da rede aqui deságua
das minerais me abasteço e disso não guardo mágoa
Também não recebo visitas que a água pudessem consumir
por isso procurar respostas é no que preciso insistir
Minha casa é bem pequena apenas cem metros quadrados
nela só faço dormir e preservar meus guardados
Não levo os jardins a regar nem carros eu deixo lavar
calçadas com a água esfregar por onde esta água escoar?
Faxino a casa com balde e um pano p’ra no chão passar
diz minha consciência em alarde a água é p’ra se economizar
Uma coisa é verdade que aqui preciso indagar
como pode uma só pessoa tanta água no mês gastar?
Um mistério se formou se esta água aqui entrou
se dela pouco se usou a maior parte evaporou?
A vários vizinhos perguntei e a pessoas que conheço:
da água que consomem por mês, na conta vem qual o preço?
Quando minha conta os mostrei consternação demonstraram
ao sentir o quanto assustei, procure a Caesb, falaram
Até mesmo em casas grandes de famílias numerosas
os valores lançados nas contas não são de montas onerosas
Em outros tempos diria quando a rede era antiga
mesmo achando água cara a conta era bem mais amiga
Depois dessa rede mudada p’ra outra que diferença
não vime chega a conta inusitada a cobrar o que não consumi
Recibos passados eu junto para sustentar o que escrevo
pois como um bom cidadão sempre pago o que devo
A Caesb é empresa séria não há dúvidas que eu levante
então nesta minha história o hidrômetro é o meliante
Sei que não posso acusar se provas me estão a faltar
mais se a suspeição está no ar é preciso investigar
Peço a vossa senhoria que mande me socorrer
pois se a conta assim ficar de infarto posso morrer
Com licença, peço aos peritos dessa Companhia honrada
para o indivíduo estudar e esta situação aclarar
Com suas técnicas e instrumentos sobre o dito cujo,
aplicados saberemos se seu trabalho é correto ou é viciado
Se inocente estiver desculpas já devo pedir
mais recolhido deverá ser se nele a culpa recair
Se comprovado, o erro for de quem o consumo media
devolva-me com prontidão o que paguei e não devia
Ou se preferir modo outro proponho a vossa senhoria
descontar o tal valor quando faturar a Companhia
Pois se assim não for feito outro caminho não há
se não o de ir a justiça o meu direito reclamar
Rogo vossa senhoria uma providência tomar
pois não é justo essa conta eu ter que continuar a pagar
Assim, deixo o meu pedido em forma de poesia
se escrever é uma arte que me enche de alegria
E, antes que se faça tarde neste tempo, o que pronuncia
antecipo meus agradecimentos junto a vossa senhoria
Como nos ensina a lição que nos vem d’antigament
despeço-me no último verso com um gentil, cordialmente.
Poema Aline de Freitas Santos
Sr. Luiz Carlos
Em resposta à sua manifestação Sob o n. 1.723/2016 protocolada
Na qual nos chamou atenção
O brilhante uso da nossa língua falada
Vimos pelo presente documento
Apresentar os resultados apurados
Na esperança de que com esse intento
Encerremos os seus desagrados
A fim de verificar
A situação apresentada
Pusemo-nos a vistoriar
As instalações internas afetadas
E eis que ficou constatado
A ocorrência de um vazamento
Comprovadamente sanado
No mais curto espaço de tempo
Para assegurar um fornecimento
Contínuo, lhano e escorreito
Fora instalado um equipamento
De precisão, em seu conceito,
E ao fim de 58h constantes
Registrou o importante instrumento
Não haver na rede pressões variantes
Que provocassem um derramamento
Desta forma, concluímos que o vazamento
Ocorrido em sua residência
Tratou-se de um fortuito acontecimento
Lamentável em sua essência
E, atendendo a Resolução da Adasa
Que norteia os procedimentos desta Casa
Foram concedidos os descontos possíveis Aos casos de vazamentos imperceptíveis
Estão creditados para os próximos faturamentos
Valores resultantes das revisões das contas
Limitadas a dois consecutivos eventos
Com prazo de 12 meses para nova remonta
Mas sabendo dos hábitos conscientes
Por V. Sª praticados
Certamente não será recorrente
O evento outrora cessado
Pessoalmente quero aqui registrar
Minha admiração e meu mais profundo respeito
Posto que, lamentavelmente, não é comum encontrar
Quem faz do uso da palavra um belo feito
Compartilhando da mesma paixão
Me despeço com leniência
E digo com admiração
Receba minha reverência.
Este caso faz lembrar de um ocorrido na Paraíba, onde alguns elementos que faziam uma serena foram presos. Embora liberados no dia seguinte, o violão foi detido. Tomando conhecimento do acontecido, o poeta Ronaldo Cunha Lima enviou uma petição ao Juiz da Comarca, em versos, solicitando a liberação do instrumento musical.
Habeas Pinho
Senhor Juiz.
Roberto Pessoa de Sousa
O instrumento do “crime”que se arrola
Nesse processo de contravenção
Não é faca, revolver ou pistola,
Simplesmente, Doutor, é um violão.
Um violão, doutor, que em verdade
Não feriu nem matou um cidadão
Feriu, sim, mas a sensibilidade
De quem o ouviu vibrar na solidão.
O violão é sempre uma ternura,
Instrumento de amor e de saudade
O crime a ele nunca se mistura
Entre ambos inexiste afinidade.
O violão é próprio dos cantores
Dos menestréis de alma enternecida
Que cantam mágoas que povoam a vida
E sufocam as suas próprias dores.
O violão é música e é canção
É sentimento, é vida, é alegria
É pureza e é néctar que extasia
É adorno espiritual do coração.
Seu viver, como o nosso, é transitório.
Mas seu destino, não, se perpetua.
Ele nasceu para cantar na rua
E não para ser arquivo de Cartório.
Ele, Doutor, que suave lenitivo
Para a alma da noite em solidão,
Não se adapta, jamais, em um arquivo
Sem gemer sua prima e seu bordão
Mande entregá-lo, pelo amor da noite
Que se sente vazia em suas horas,
Para que volte a sentir o terno acoite
De suas cordas finas e sonoras.
Liberte o violão, Doutor Juiz,
Em nome da Justiça e do Direito.
É crime, porventura, o infeliz
Cantar as mágoas que lhe enchem o peito?
Será crime, afinal, será pecado,
Será delito de tão vis horrores,
Perambular na rua um desgraçado
Derramando nas praças suas dores?
Mande, pois, libertá-lo da agonia
(a consciência assim nos insinua)
Não sufoque o cantar que vem da rua,
Que vem da noite para saudar o dia.
É o apelo que aqui lhe dirigimos,
Na certeza do seu acolhimento
Juntada desta aos autos nós pedimos
E pedimos, enfim, deferimento.
O juiz Roberto Pessoa de Sousa, por sua vez, despachou utilizando a mesma linguagem do poeta Ronaldo Cunha LIma: o verso popular.
Recebo a petição escrita em verso
E, despachando-a sem autuação,
Verbero o ato vil, rude e perverso,
Que prende, no Cartório, um violão.
Emudecer a prima e o bordão,
Nos confins de um arquivo, em sombra imerso,
É desumana e vil destruição
De tudo que há de belo no universo.
Que seja Sol, ainda que a desoras,
E volte á rua, em vida transviada,
Num esbanjar de lágrimas sonoras.
Se grato for, acaso ao que lhe fiz,
Noite de luz, plena madrugada,
Venha tocar á porta do Juiz.