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Contra as desigualdades

Ruy Martins Altenfelder Silva*

Ao passar pelo crivo de especialistas e equipes multidisciplinares, a riqueza de dados coletados pelos censos demográficos a cada dez anos gera uma apurada radiografia dos vários ângulos do País. Um dos mais recentes subprodutos do Censo de 2010 é o Atlas do Desenvolvimento Humano Municipal 2013, que retrata as menores unidades da Federação numa perspectiva que vai além do crescimento econômico. A conclusão do estudo confirma a percepção empírica da maioria da população: o Brasil vem crescendo, mas, em que pesem os avanços sociais, persistem ainda vergonhosas desigualdades. Ou seja, não é para todos os brasileiros que os bons resultados da economia se traduzem em benefícios concretos, como mais saúde, educação universalizada e de qualidade, maior participação política,  justa distribuição de renda e oportunidades equitativas de trabalho.

Ao focar o microcosmo da realidade nacional, o Atlas revela disparidades que corroem parte do entusiasmo provocado pela notícia de que o Brasil, com pontuação de 0,727 (numa escala que vai de 0 a 1), finalmente ascendeu à faixa dos países com alto desenvolvimento humano – um indicador que leva em conta três fatores: expectativa de vida ao nascer, educação e renda. Isso porque, na leitura desalentadora do mapeamento, convivem municípios com renda per capita que variam de R$ 1,7 mil a R$ 210. Alguns ostentam mais de 80% dos adultos com o ensino fundamental completo contra outros com menos de 13%. Ou, ainda, uma Região Sul, com esperança de vida de 78 anos, aparece ao lado de um Nordeste, onde a expectativa de vida de uma criança ao nascer não chega aos 66 anos.

Diante desses comparativos, resta a constatação de que os avanços do País merecerão calorosos aplausos apenas quando forem adotadas políticas públicas que estendam as igualdades sociais a patamares compatíveis com outros  países que integram a faixa de alto desenvolvimento humano. Um dos mais relevantes pontos a atacar é abrir a um número bem maior de jovens a oportunidade de ingressar no mercado de trabalho motivados por perspectivas de progresso pessoal, de renda e de condições de vida. Isso porque é sobre os ombros das novas gerações que recairá a tarefa de sustentar os níveis de desenvolvimento de uma nação que já ultrapassou os 200 milhões de habitantes e continuará a crescer.

Segundo estudo do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre-FGV) datado de 2010, cerca de 1,5 milhão de jovens, com idade entre 19 e 24 anos – a maioria concentrada nas faixas mais pobres – nem trabalham, nem estudam e nem procuram emprego. A baixa escolarização e, por consequência, deficiência na qualificação para a conquista de um emprego os empurram para a nova categoria batizada de “nem-nem-nem”. Trata-se da face mais perversa de um problema detectado pelo Dieese no final de 2011: metade dos jovens de 18 a 20 anos estava sem emprego, mesmo naquele momento de mercado de trabalho altamente aquecido.

A questão jovem, insuficiente levada em conta, deve ser uma das grandes prioridades nacionais, até mesmo, entre outras razões, para assegurar a sustentabilidade do desenvolvimento. A cooptação pelo crime organizado, visível nas estatísticas policiais, ou a busca por ocupações informais, como única opção de sobrevivência pessoal e familiar, só fazem aumentar a vulnerabilidade dos milhões de brasileiros condenados à exclusão no estratégico momento em que chegam à fase produtiva da vida.  O círculo vicioso será quebrado somente com a oferta a esses jovens de um projeto de vida, que passa não só pela inclusão escolar e assistência á família, mas também pela formação para o trabalho e a cidadania, dotando-os da autonomia indispensável para o resgate da autoestima e para a realização pessoal.

Sem dúvida, está aí um dos maiores desafios colocados à frente do País. Por isso, todas as iniciativas, sérias e responsáveis, destinadas a oferecer um futuro melhor aos jovens devem ser estimuladas. Principalmente aquelas que, testadas, comprovaram sua força inclusiva, como é o caso do estágio e da aprendizagem. O balanço de 49 anos de atuação do Centro de Integração Empresa-Escola (CIEE), com presença em todo o território nacional, não deixa dúvida quanto aos impacto saudável das duas modalidades de formação na empregabilidade e na construção de um futuro promissor ao jovem: além de assegurar uma renda financeira que auxilia a permanência na escola e reforço ao orçamento doméstico, ambas constituem uma eficaz porta de acesso ao mercado de trabalho, dimensionada por taxas de efetivação superiores a 50%.

 

*Ruy Martins Altenfelder Silva é presidente do CIEE e da Academia Paulista de Letras Jurídicas (APLJ).