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Crônica da semana por Nilson Lattari: “Sobre pessoas sobre lobos”

Foto de Marek Szturc na Unsplash

Sobre pessoas, sobre lobos

          Os animais, para nós, humanos, representam uma virtude ou um defeito de nós mesmos: a astúcia da raposa, a falta de inteligência do burro, a força do cavalo; quando estas representações nada significam para eles.

          Nós e essa tentativa inconcebível de humanizá-los.

          Mas, observar a natureza é uma forma de também tentar entender a nossa própria.

          De todas, a mais fascinante para mim, é a dos lobos. Um lobo, muitas vezes, é solitário, é só um lobo. Assentado em uma parte mais alta do terreno, placidamente, passa a observar tudo à volta. Seu olhar é como uma peça que não se mexe, possivelmente vê tudo e enxerga, farejando e percebendo o vento enviando as notícias, a eriçar levemente o pelo do corpo.

          Vendo-o assim, sozinho, um humano pode ter a sensação de poder, e com a sua presença, suas armas, sua arrogância afastá-lo do seu ponto de observação, e o lobo, no seu silêncio, seguir o seu instinto e procurar um outro canto para continuar sua vigília.

          Um lobo é somente um lobo no seu caminhar macio, na sua estratégia de não enfrentar o oponente, porque, simplesmente, a própria luta não vale a pena. O território que o humano imagina que conquistou é somente espaço, o território do lobo é o vazio, é o silêncio, é o seu esgueirar pelos atalhos, a sua volta paciente, é o contornar do outro. Que imensa bobagem imaginar que conquistamos dele, um simples lobo, o espaço em volta. Para o humano o lugar onde pisa é a sua propriedade, para o lobo é algo muito além disso. Qual é a noção de propriedade do lobo?

          A arrogância do humano está na sua arma, na sua figura, a arrogância do lobo está no silêncio. O silêncio do lobo é assustador porque não se revela; nem o medo, nem a valentia, é apenas silêncio.

          Expulso de um lugar, ele procura outro, e assim vai de ponto em ponto ficando no mesmo lugar. Furtivo, rouba os animais do humano, enquanto ele dorme, e enquanto o lobo dorme, quem saberá onde está?

          O lobo é a estratégia do furtivo, é a espera pelo momento, é a paciência de esperar, e a espera é em silêncio. O silêncio é a resposta mais desconcertante que alguém pode dar ao outro. O olhar silencioso é a melhor forma de dizer que o medo está ausente. Mas, não o olhar baixo, desconcertado, mas o olhar calmo, tranquilo e desconcertante.

          De repente, outros lobos, também em silêncio, passam a observar o humano. É uma muralha de contenção, apenas baseada na junção dos silêncios. O que nos causará mais medo? Um ataque de lobos, ou nunca poder prever o ataque deles?

          Podemos aprender com os animais, em cada uma de suas características e artimanhas, a arma do silêncio, do não responder, pode significar muito mais do que a explosão física.

          Respeitar o seu silêncio é respeitar a sua ignorância. No silêncio do outro pode estar o medo, a confiança ou a indiferença. E quando os silêncios em volta forem muitos, talvez o humano perceba que está sozinho, diante de uma matilha… de lobos.