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Homens trocam o corte da cana pelos bordados

Empresa de confecções Marie Mercié contratou ex-canavieiros para operarem máquinas de bordado

O cortador de cana aposentado Severino José da Silva faz o acabamento dos bordados na sua casa em Itambé.

Reportagem de Angela Fernanda Belfort com foto: Hélia Scheppa

A casa grande e a cocheira dos burros do Engenho Bangauá foram se transformando, aos poucos, numa fábrica de confecções dentro de um canavial em Itambé, Mata Norte de Pernambuco. A Marie Mercié emprega cerca de 300 pessoas, incluindo pelo menos 110 homens que cortavam cana-de-açúcar e trocaram a foice por agulhas, tesouras e máquinas que fazem bordados, atividades consideradas típicas do mundo feminino. Dos 70 empregados do setor de bordados, 50 são homens.

“Não passava pela minha cabeça ser bordador”, diz com um ar de riso e ao mesmo tempo orgulhoso o operador da máquina de bordar Esuelen de Souza Gomes, que cortou cana durante “seis safras” (anos). Embora esteja na área rural da mata pernambucana, a Marie Mercié faz roupas finas destinadas ao publico classe A, misturando bordados, miçangas e estampas. As últimas são feitas em parceria com a refinada empresa de Constanza Pascolato.

Para Esuelen, a nova atividade representou melhoria de qualidade de vida e de salário. “Aqui é uma maravilha para vista do que já enfrentei. No corte da cana, acordava muito cedo, saía de casa às 4 horas da manhã e chegava às quatro da tarde sem coragem para nada. O dinheiro dava somente para comprar as coisas mais básicas. Não conseguia economizar e comprar uma casa, como fiz depois que estou trabalhando com confecções”.

Nos seis anos do corte da cana-de-açúcar, ele passou por três usinas da Mata Norte, incluindo uma que fechou. Há 10 anos, Esuelen foi um dos primeiros bordadores contratados pela Marie Mercié. Tomou conhecimento da vaga aberta na empresa porque a mãe e tias trabalhavam, na época, como costureiras. “Apareceu uma vaga para escolinha de bordado e me interessei. Foram quatro meses com um pessoal de fora ensinando como usar as máquinas”, lembra. Os “de fora” eram técnicos espanhóis enviados pelo fabricante das máquinas instaladas na empresa.

O salário de Esuelen quase dobrou, quando comparado com o que ganhava na época do corte da cana-de-açúcar. “Era um salário mínimo”, recorda. “Às vezes, ganho um pouco mais porque levo lantejoulas e pedrinhas para pregar em casa com a ajuda da família”, afirma. Na casa dele, moram a esposa – aposentada devido a um problema na coluna – e três filhos. Ele é o único que trabalha.

Toda a família de Esuelen mora próxima à fábrica nos engenhos da redondeza. O pai dele trabalhou durante toda a vida cortando cana-de-açúcar, assim como quase 100% dos pais dos outros bordadores e operadores de máquina da Marie Mercié. Na família de Esuelen, ele é o único homem que deixou de ser canavieiro.

A maioria dos bordadores e operadores de máquina chegou à empresa por indicação de um colega ou de alguma mulher da família que trabalhou na confecção. Alguns foram contratados por pedidos inusitados. Foi o caso de Edmilson Ferreira Alves, que estava desempregado e tinha uma namorada que trabalhava na empresa, Marilene Souza Gomes. Há 12 anos, Marilene ao encontrar com a fundadora da empresa, Mércia Moura, disse: “Quero casar, mas meu namorado está desempregado porque acabou a safra. Quando a senhora puder, arrume um emprego pra ele”. A safra é o período de seis meses em que ocorre a colheita da cana, quando as empresas empregam mais canavieiros. No restante do ano, grande parte deles fica desempregada. O tempo passou, a vaga apareceu, o namorado de Marilene foi contratado e está há 12 anos na empresa. Atualmente, Edmilson separa as partes da roupa para serem costuradas, mas já passou por vários setores. Se precisar, “aprendo até a costurar” porque não quer voltar para o corte da cana.

“Os homens se adaptaram muito bem no setor de bordados. Durante uma época, fiquei receosa porque as máquinas (que fazem os bordados) eram muito delicadas, mas foi uma experiência que deu certo”, afirma Mércia Moura.

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