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Leite bovino: uma controvérsia ética

 

Por Dr. phil. Sônia T. Felipe

A maioria dos descendentes de caucasianos (finlandeses, noruegueses, suecos, suíços e austríacos), e ainda assim, nem todos, em torno de 75%, mantêm a lactase após o desmame. Os demais povos, com genética indígena, asiática, árabe, judaica, afro, para citar apenas os grupos que constituem a maioria da população humana ao redor do planeta, têm a produção da lactase cessada completamente ou diminuída significativamente após a primeira dentição, num percentual inversamente proporcional ao dos caucasianos, quer dizer, de cada 100 pessoas, pode chegar a 75 o número das que ingerem leite sem conseguir digeri-lo direito. E fazem isso a vida toda, sem que nenhum médico as alerte para isso, porque eles também não estudaram essa questão na faculdade. Seria maldoso pensar que eles sabem mas escondem dos pacientes a verdade.

Esses dados estão fartamente tratados na literatura médica e científica, desde 1976! Só que os brasileiros não sabem, porque está tudo em inglês. Pode ser que uma pessoa formada em medicina ou nutrição tenha estudado todas as disciplinas de seu curso sem jamais ter ouvido falar disso! Simplesmente desolador para nossa saúde!

A verdade é que a maioria das pessoas padece a vida toda de mazelas digestivas, transtornos de humor por conta de acidez no estômago ou de gases se formando em seus intestinos, fora o diabetes, as placas de calcificação nas artérias, as infecções do ouvido, garganta, bexiga, recorrentes, o nariz escorrendo muco na infância, a dor de barriga infantil recorrente, a obesidade e tantas outras mazelas que não caberia listar, por conta da ingestão do leite bovino. Ao contrário do que já está mais comum ouvir, o leite não é nocivo apenas por causa da lactose. Ele é um veneno principalmente pela caseína! Coisa ruim essa proteína com a prolina pegajosa grudando os demais aminoácidos e impedindo que ela seja desmanchada.

Como é que um Conselho Regional de Nutrição pode proibir seus profissionais de revelarem aos seus pacientes que o leite produz muitos males?

Botamos políticos que não sabem nada de nutrição a votarem leis que tratam da nossa nutrição (atendendo aos interesses do agronegócio) e agora, para nos deixar ainda mais desprotegidos contra os malefícios do leite, os nutricionistas estão proibidos de nos avisar dos males que o leite bovino está a acarretar ao redor do planeta? Não fosse comprovada cientificamente, pela comunidade médica, os médicos do Comitê dos Médicos por uma Medicina Responsável não teriam entrado com a petição, junto ao governo norte-americano, para que o leite seja abolido da merenda escolar de todas as escolas norte-americanas. Não bastasse essa petição, esses médicos (são hoje mais de 6.000!) também pedem que seja abolida da Emenda Constitucional que trata da merenda escolar, a frase escrita lá pelo agronegócio das décadas de oitenta a noventa, na qual o leite é citado como um “alimento fundamental para a saúde das crianças”.

E um conselho de nutrição no Brasil passa uma circular proibindo todos os nutricionistas de dizerem que o leite bovino não é recomendável para a saúde humana!

No livro Galactolatria: mau deleite, podem ser lidas mais de 600 notas trazendo as fontes médicas e científicas nas quais se encontram “provas” de que o leite não é coisa boa para a saúde humana, especialmente dos bebês e crianças. E não falo aqui apenas dos que são intolerantes à lactose.

Os males galactogênicos estão fartamente relatados na literatura médica. A prova de que são galactogênicos está no fato de que ao abolirem o leite e derivados dele da dieta, ainda que por um período de teste, os males simplesmente se amenizam ou desaparecem completamente.

Ora, por que precisamos de um atestado médico para nos certificar de que aquele certo alimento nos dá azia, ou produz gases, ou tranca o intestino e assim por diante? Sempre esperamos que os médicos nos avisem dos males do que comemos. Esquecemos de que eles também podem sofrer da adicção aos opioides do leite? A medicalização de tudo nos levou a esse estado deplorável, no qual não assumimos mais nenhuma responsabilidade pelo que ingerimos! Corremos para o médico em busca de uma pílula para nos livrarmos da azia estomacal, do inchaço e dos gases que os laticínios produzem em nossos intestinos. Ora, sendo humanos, não evoluímos para digerir a coisarada que está no leite bovino, incluindo hormônios de crescimento bovino. Não somos bovinos! O excesso de proteína, o excesso de cálcio, os antibióticos, o pus (OK, pasteurizado e homogeneizado!), os nitratos, nitritos, e todos os pesticidas que estavam nos grãos que foram dados para as vacas, tudo isso está no leite ingerido por humanos, em qualquer idade.

Cadê as provas que o Conselho de Nutrição também tem que apresentar para se arvorar em autoridade suprema proibindo os brasileiros de serem orientados sobre um alimento nocivo para a saúde humana? Sim! Nocivo! Ou alguém pensa que a intoxicação por nitratos e nitritos, sofrida pelas 23 crianças há cinco dias, aqui no sul, é uma fatalidade, uma exceção, que não toca em nada na natureza maravilhosa do leite para a saúde humana? Nitratos são liberados sempre no processo de homogeneização e pasteurização do leite. Todos ingerem nitratos, ainda que em quantidade mínima. O problema é que a ingestão continuada de algo nocivo, tão nocivo que pode matar, por décadas, acaba por comprometer a saúde do galactômano.

Se é preciso provar algo, para sabe-se lá, quem, as pessoas podem fazer isso de modo bem simples. Eliminando por 10 dias “todos” os alimentos que contenham algum derivado do leite. Comecem a anotar suas mazelas num caderninho, todo dia, antes das refeições, durante as refeições, imediatamente após as refeições, e horas após as refeições. Sejam bem detalhistas. Daí, abstenham-se por 10 dias de todos os alimentos que contenham leite e laticínios. Voltem a anotar com a mesma técnica e rigor, tudo o que se passa, não apenas no estômago e nos intestinos, mas especialmente no cérebro.

Feita a experiência, que só não pode ser “científica” porque não temos cientistas capazes de nos ajudar a conduzi-la, e por isso cada um deve ser responsável em seu caso pessoal, por essa experiência, cada pessoa deveria ter a felicidade de encontrar em sua vida um nutricionista para ajudá-la a refazer sua dieta sem incluir nada que tenha leite. Aposto que a maioria dos brasileiros teria muito mais saúde, disposição, longevidade e alto astral, coisas que o leite não parece promover. Apenas aqueles 10 a 15 % de persistentes na produção da lactase sairiam indiferentes ou mesmo revoltados com a abolição do leite de sua dieta. Os demais agradeceriam aos deuses o alívio sentido. Topam?

Sônia T. Felipe | felipe@cfh.ufsc.br – Sônia T. Felipe, doutora em Teoria Política e Filosofia Moral pela Universidade de Konstanz, Alemanha (1991), fundadora do Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre a Violência (UFSC, 1993); voluntária do Centro de Direitos Humanos da Grande Florianópolis (1998-2001); pós-doutorado em Bioética – Ética Animal – Univ. de Lisboa (2001-2002). Autora dos livros, Por uma questão de princípios: alcance e limites da ética de Peter Singer em defesa dos animais (Boiteux, 2003); Ética e experimentação animal: fundamentos abolicionistas (Edufsc, 2006); Galactolatria: mau deleite (Ecoânima, 2012);Passaporte para o Mundo dos Leites Veganos (Ecoânima, 2012); Colaboradora nas coletâneas, Direito à reprodução e à sexualidade: uma questão de ética e justiça (Lumen & Juris, 2010); Visão abolicionista: Ética e Direitos Animais (ANDA, 2010); A dignidade da vida e os direitos fundamentais para além dos humanos (Fórum, 2008); Instrumento animal (Canal 6, 2008); O utilitarismo em foco (Edufsc, 2008);Éticas e políticas ambientais (Lisboa, 2004); Tendências da ética contemporânea (Vozes, 2000).

Cofundadora da Sociedade Vegana (no Brasil); colunista da ANDA (Questão de Ética) www.anda.jor.br; publica no Olhar Animal (www.pensataanimal.net); Editou os volumes temáticos da RevistaETHIC@,www.cfh.ufsc.br/ethic@ (Special Issues) dedicados à ética animal, à ética ambiental, às éticas biocêntricas e à comunidade moral. Coordena o projeto: Ecoanimalismo feminista, contribuições para a superação da discriminação e violência (UFSC, 2008-2014). Foi professora, pesquisadora e orientadora do Programa Interdisciplinar de Doutorado em Ciências Humanas e do Curso de Pós-graduação em Filosofia (UFSC, 1979-2008). É terapeuta Ayurvédica, direcionando seus estudos para a dieta vegana.