Ministério Público ouve mulheres em situação de prostituição
Sentindo-se invisíveis, mulheres em situação de prostituição clamam por atenção
As mulheres em situação de prostituição são invisíveis perante a sociedade, não conseguem atendimento digno na rede de assistência básica e muito menos contam com leis que as protejam da constante violência que sofrem no dia a dia. Isso é o que indicam os depoimentos dados sobre a situação vivida por grande número de mulheres que ganham seu sustento nas ruas. Os relatos emocionaram participantes do projeto “Diálogo dos Saberes: A Academia vai ao Ministério Público”, que debateu a questão na manhã desta sexta-feira, 28, dando assim mais um passo em direção ao entendimento, por outras lentes, da complexidade dos fenômenos que impactam o Sistema de Justiça e a atuação ministerial.
Sob a direção da promotora de Justiça Márcia Teixeira, coordenadora do Grupo de Atuação Especial em Defesa da Mulher (Gedem), o projeto propõe uma articulação do MP com a academia e a sociedade civil e, por meio de uma política de discussão, reflexão e troca de experiências, busca trocar saberes acadêmicos e populares com vistas a, consequentemente, produzir conhecimentos interdisciplinares e um maior acesso ao que vem sendo produzido na área de enfrentamento à violência de gênero tanto na academia quanto no MP e na sociedade civil.
A palestrante de hoje foi a teóloga Fernanda Priscila Alves da Silva, coordenadora da Ong Força Feminina, que é ligada às Irmãs Oblatas que atuam em Salvador há 15 anos acolhendo e orientando mulheres em situação de vulnerabilidade. Para sua dissertação do mestrado, Fernanda trabalhou com histórias de vida dessas mulheres, o que rendeu o livro “Cuidado junto às mulheres em situação de prostituição”. Segundo ela, 90% das pessoas que são acompanhadas pela Ong passaram a se prostituir devido ao fator sócio econômico considerado gritante, o que é seguido da desestruturação familiar e da violência de gênero.
Algumas dessas mulheres participaram do encontro de hoje prestando depoimentos fortes, sendo que a maioria prefere não ser identificada porque ainda sofre com a discriminação. Mas muitas já conseguem bradar suas carências e externam a necessidade de inclusão. Nilza de Oliveira, 51 anos, diz que “louca é a mulher que cai numa dessas.” Explica que, mesmo sofrendo a concorrência “das patricinhas”, as mulheres em situação de prostituição ainda são muito procuradas nas ruas inclusive por homens de condição social confortável que pedem sigilo. Mas também exibe pelo corpo as marcas das violências sofridas como a bala que transfixou uma perna e uma pedrada que tirou parte da visão de um dos seus olhos.
Ao falar sobre a vida, Nilza diz que “somos bagaço, resto, um nada, um lixo para a sociedade. Não querem a gente na praça, mas não nos deixam trabalhar”. Ela lamenta o fato de ter investido em produtos para vender durante as festas juninas, pois “o rapa não deixou. Também queremos moradia e emprego. A gente tem que ser enxergada como gente”. Segundo Fernanda, cerca de 70 mulheres que trabalham nas ruas são atendidas pela Ong, mas existem mais 150 espalhadas pelo Pelourinho, Comércio, Calçada, Barroquinha, Ladeira da Montanha e Patamares. A idade delas varia entre 18 e 65 anos, sendo que 44% são analfabetas e 41% possuem o ensino fundamental incompleto. “Como essas pessoas vão buscar outro caminho se lhes faltam outras coisas?”, indaga ela, reivindicando mais atenção para essas mulheres.
Ao fazer a abertura do evento que está no seu segundo ano, a promotora de Justiça Márcia Teixeira falou que o caminho trilhado por essas mulheres não foi escolhido e que identifica uma fragilidade na política pública e omissão do Estado para acolhê-las, sendo que muitas foram meninas em situação de prostituição. A promotora disse que não concorda com a criação da Bolsa Prostituição que está em discussão em nível federal. Endossando suas palavras, algumas das mulheres presentes falaram que fugiram de casa onde a situação de miséria era grande e onde assistiam cenas de violência sendo perpetradas pelo pai contra a mãe.
Uma delas explicou que se envergonha de dizer o que faz quando procura atendimento médico, pois teme a discriminação. A outra conta que foi agredida e, ao pedir ajuda a um policial, ouviu dele: “dê seus pulos.” Boa parte delas também relata exploração por parte de toda uma cadeia formada por hotéis, cafetões e cafetinas, clientes e colegas. A droga também povoa o mundo dessas mulheres, havendo casos dos que as utilizam como escudo, levando-as para um quarto de hotel onde oferecem bebida e comida e pagam por um programa onde existiu apenas o consumo de droga por parte do cliente.
Para Fernanda, existe dificuldade para essas mulheres serem atendidas nas delegacias. A Lei Maria da Penha não as favorece porque a violência que sofrem não é considerada violência doméstica. Os órgãos governamentais que deveriam estar dando o devido amparo não fazem isso, prossegue. “Elas não estão sendo vistas a ponto de acharem normal falar sobre “a sociedade que aí está”, como se não fizessem parte dela, quadro que precisa mudar, conclui.
Fotos: Ceaf