Mortes no trânsito e impunidade
Há um ano o incêndio na boate Kiss (Santa Maria-RS) provocou a morte de 242 pessoas. Um prédio desabou em SP e matou 10 pessoas. Um caminhão basculante, trafegando com a caçamba levantada, fora do horário permitido e em alta velocidade, derrubou uma passarela no Rio de Janeiro, matando quatro pessoas e ferindo outras cinco. Contra o caminhão já constavam três multas por bloquear a via pública e estacionar na calçada. Esse é o dia a dia do brasileiro, que se diz esperançoso e feliz em todas as pesquisas. Somente no trânsito são 120 mortes por dia, uma a cada 10 minutos e mais de 43 mil anualmente. Brasil é um dos campeões mundiais em mortes no trânsito.
Odiamos respeitar sinais, placas e regulamentações. De acordo com nossa cultura hierarquizada, todos nos julgamos com preferência no trânsito. O respeito à igualdade é um grave problema para o brasileiro, que é muito pouco educado para a cidadania e para a convivência na polis (independentemente da classe social). A legislação de trânsito no Brasil não é ruim. Mas pouco adianta fazermos leis de primeiro mundo, se não temos suíços, suecos, noruegueses, dinamarqueses e japoneses nos volantes dos carros para cumpri-las.
A solução desse gravíssimo problema passa pela Educação, Engenharia (dos carros, das ruas e das estradas), Fiscalização, Primeiros socorros e Punição. Essa é a fórmula que deu certo na Europa, onde as mortes foram reduzidas em dez anos em 50%. Em todos os itens nós falhamos. Nos últimos dez anos as mortes no trânsito aqui cresceram 4% ao ano. É inconcebível que um ferimento ou morte de uma pessoa, no trânsito, com culpa razoavelmente comprovada, não tenha consequências imediatas para o seu autor. O sistema de Beccaria (pena suave, justa, rápida e certa) nunca foi testado sistematicamente entre nós. Em regime de urgência temos que aprovar uma espécie de Justiça protetiva via rápida.
É um absurdo a vítima ou sua família ficar esperando as respostas da Justiça anos e anos. Formulada uma acusação formal e recebida a denúncia, depois do devido contraditório, neste mesmo ato o juiz, respeitando os princípios da razoabilidade, necessidade e proporcionalidade, já deveria impor uma série de medidas cautelares protetivas e de urgência, tais como suspensão da habilitação, indisponibilidade de bens (para garantia da indenização), reparação provisória dos danos, fixação de alimentos em favor dos familiares das vítimas necessitados etc. A resposta da Justiça, ainda que seja protetiva e de urgência, não pode demorar. A Justiça rápida e certa propugnada por Beccaria, 250 anos depois, tem que ter espaço no cenário jurídico brasileiro. A hora é agora.
O professor Luiz Flávio Gomes é graduado pela Faculdade de Direito de Araçatuba, tem mestrado pela Faculdade de Direito da USP e doutorado pela Faculdade de Direito da Universidade Complutense de Madri. Jurista brasileiro, fundador da primeira rede de ensino telepresencial da América Latina. É presidente do Instituto Avante Brasil e co-editor do Portal Atualidades do Direito ao lado de Alice Bianchini. Apresentador da TVAD.