NATAL DA CIDADE: um canteiro de artes
A noite acende seu telhado de diamantes sobre o teto azul da cidade. A lua, hóstia de porcelana, retoca-se no espelho do Poço Escuro, e derrama um cântaro de prata luminescente como pétalas de neon pelos becos e ladeiras da Rua do Cruzeiro. Na Praça, as borboletas fingem dormir, numa hipnose de asas e cores sobre os roseirais, enquanto Maria, José e o Deus-Menino se entreolham a admirara brancura silenciosa das ovelhas e a sonora ternura nos olhos do jumento. Nem põem reparo nos Reis Magos imponentes, aprisionados em sua imobilidade de escultura. Liturgia quebrada somente pelo som de águas a se esfregarpor entre o roliço das pedras. Fincadas no chão da praça, as palmeiras imperiaisexibem seus leques de pavões noturnos num misto de cores e viço,em explícita competição com a torre da Igreja.
Fisgados por fios sinuosos, vagalumes elétricos se enroscam no tronco das árvores como serpentes de cipó numa pulsação de intermitências e cores. As árvoressonham-se rainhas, a cujos pés um mar de súditos vem-lhe confirmar o reinado. E toda a praça é um vulcão de cores no coração da cidade. Os pombos e abelhas sabem que o Natallhes desaloja com seu êxtase de luzes e sons.Pacientes,esperam que janeiro lhes restitua a anônima paz do jardim.
Este é o cenário de quando os primeiros lampejos de dezembro saltam da folhinha.Conquista vive o delírio de abrigar, concomitantemente, duas cidades distintas:a quase metrópole de ruas apinhadas de gente e tomadas por automóveis, num Natal de lojas, shoppings, compras e presentes.
A outra respira ares orientais. Pela alquimia da arte, a Praça Tancredo Neves beleniza-se, aoincorporar Belém da Judeia, com manjedoura, camelos e pastores.
Em cada casa, acende-se um presépio. Em cada bairro, rua ou praça, fitas multicoloridas pendem dos chapéus de palha em anúncio de reisados. Os ternos de reis, com seu lirismo pastoril eoratórios barrocos, regados a gaitas, tambores e descantes, perfumam de melodia o terreiro de Nossa Senhora das Vitórias. . É como se o rio do tempo retrocedesse e trouxesse à tona as lapinhas armadas em papel tingido de carvão e malacacheta pilados, à guisa de pedras para compor a gruta.
Ainda por ser dezembro, as chitas de Victória Vieira vestem os cenários mais modestoscom florais encantados de palácios, enquanto os pincéis de Sônia Leite recriam o Natal dos Santos Reis, em relâmpagos de cores sonoras.
A Barão do Rio Branco é um anfiteatro onde as artes caldeiam uma poção mágica sob o teto bordado a estrelas. Ali,misturam-se talentos de todas as vertentes artísticas:pratas da casa ou dos demais quadrantes do país.
Oencantamento do “Cenas Curtas” faz o pequeno teatro Carlos Jehovah explodir-se em aplausos ante técnicas, experimentos, miseenscène e pantomimas. Diversão e laboratório vivo para se forjarem novos talentos da dramaturgia.
E assim o Natal da Cidade chega à adolescência dos seus 15 anos.
Engana-se quem pensa que progresso se faz somente de concreto, espigões e fábricas.
Administrar uma cidade, desenvolvê-la, é, também,fomentar a arte,posto que esta a redime e lhe humaniza a face. É fazer do chão da praça um “arraiá”com suas casas de enchimento e fogueiras de São João. Para tal, há que se mergulhar no rapto das manifestações artísticas e cochichar redondilhas de métricas e rimas aos ouvidos do“Boi Bugarim”.
Para tal, tem de ser poeta.
O NATAL DA CIDADE faz de Conquista um canteiro de arte.
Assim tem sido. E que assim seja!
Esechias Araújo Lima
Poeta, cronista e membro da Academia Conquistense de
Letras