O papa e os corações peludos
A renúncia do Papa Bento XVI, aquele ser carismático, com toda aquela sua esbanjante simpatia, se atravessou na avenida em pleno Carnaval, criando uma sucessão de ohs!e outras interjeições de espanto. Mas também abriu a tampa de impropérios de todo o tipo, análises e chutes de todas as formas, além de mostrar que os corações peludos estão em pleno vigor
Pensei tanto no Joãozinho Trinta e aquela sua insofismável verdade contida na frase que esclarecia que quem gosta de miséria é intelectual, que quase nem levei em conta o silêncio dos protetores de animais sobre a depilação que os faisões e pavões, entre outros bichos que viram fantasias, sofreram antes do Carnaval desembocar nas avenidas, especialmente de São Paulo e Rio. Só fiquei ali, na frente da tevê, pelo menos até dormir de tédio aos 60 minutos do segundo tempo da segunda escola, esperando ver o PETA, aquele grupo ultra radical que atira tinta em casacos de pele e se auto-embala como carne crua, invadir a avenida com faixas e cartazes; ou mesmo se apareceriam as gostosas do Fêmen botando os peitos de fora e reclamando, no mínimo, da total desvalorização feminina – se bem que elas logo acabariam misturadas às cabrochas, passistas, destaques, silicones.
Nada. Quem atravessou o samba foi o Papa entregando os pontos e o cargo, querendo tirar logo, e antes de morrer, toda aquela roupa enfeitada e se enclausurar, como promete fazer assim que der no pé. O mundo todo ficou boquiaberto e – não sei se porque não gostamos de tanta surpresa assim – a partir daí já li e ouvi de um tudo. Tanto sobre os “verdadeiros” motivos de sua decisão, que agora parece que todo mundo conhece até o papel do banheiro do Vaticano e seus porões, com elogios de um lado e ataques de outro.
Aí que eu quero chegar. Numa boa, estão faltando só jogar pedras na Geni, desconhecendo os limites mínimos do respeito. Religião – seja qual for – é coisa séria, faz guerras, morre e mata, tem politicagem, roubalheira, escândalos e desvios, mas precisa ser respeitada entre os homens de boa vontade. Sempre tem quem viva dessa crença e não é direito de ninguém desprezar esse fato, até porque em seu nome grandes coisas também foram construídas. E, ao se tratar de catolicismo, emocional, dogmático, cheio de simbologismos, de lutas contra o Mal, de implementação de culpas e de Poder, a coisa não é diferente. Reparou como as emergentes lideranças evangélicas estão guardando um silêncio sepulcral sobre o assunto? Cautela e canja de galinha não fazem mal a ninguém.
Mas os corações peludos, pelo menos os brasileiros, “tupiniquins”, não esperaram o sinal, e só está faltando organizarem abaixo-assinados do tipo desse aí que nem fez o Renan Calheiros se coçar. Nele, enumerariam os milhares de problemas enfrentados nos milhares de anos para provar que o Papa é desimportante, quase desnecessário, uma vez que – veja só! – não conseguiu acabar com a pedofilia, como se isso fosse possível, pretendeu que ninguém mais fizesse amor sem procriar e jogasse todos os métodos anticoncepcionais e preservativos fora, entre outras.
Uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa. Conheço gente que acredita em coisas verdadeiramente inacreditáveis. Somos gente e gente falha. Queiram ou não as crenças permeiam tudo o que a humanidade desenvolve. Mas não impedem que outros pensem diferente ou mesmo os que seguem ordens religiosas volta e meia se desviem aqui e ali no escurinho do cinema.
Teremos milhares de abortos sendo feitos todos os dias; homens amarão homens e mulheres amarão outras mulheres sempre, porque aí tratamos de algo incontrolável, imponderável. Padres continuarão tendo desejos. E será crime se usarem a igreja para aplacar seu celibato envolvendo crianças.
Não é porque o Vaticano vaticina que o mundo vai ser melhor ou pior. Ele já é o que nós todos fazemos dele.
Independente da cor da fumaça que vamos ficar esperando sair da chaminé. E que inclusive pode vir a ser tingida de verde e amarelo.
São Paulo, depois de tempestades, raios, asteróides e meteoros ameaçadores, 2013
Marli Gonçalves é jornalista – – Só vi tanta fé junta assim quando os prêmios da loteria se acumulam. Mas, como sempre observa um amigo antigo, nunca coloquei a minha “igrejinha” para funcionar e ter a vida fácil garantida. Não trabalha não, para ver se cai do céu… – aprendi com o meu papa!