O que a Copa ensinou para mim e para minha filha?
Por Marcos Morita
Creio que todo brasileiro guarde uma Copa em seu coração de menino ou menina. Ingênuo ou ingênua, descobrimos a paixão do país que literalmente para em dia de jogo. Em geral tudo começa com o álbum de figurinhas, na minha época coladas com Tenaz em chicletes Ping Pong. Em seguida a camisa, a bandeira, a corneta e demais adereços: óculos, adesivos, pintura no rosto e no cabelo, colorindo a si, a família, a casa, o carro, o animal de estimação e tudo mais que possa ser pintado de verde e amarelo.
A minha Copa foi a de 1982, então com 13 anos. Uma seleção que esbanjava talento e arte. Sublime, plástica e goleadora, fazia questão de jogar bonito, marcar golaços e sair dos estádios sob aplausos e suspiros da torcida. Os astros eram Waldir Peres, Leandro, Oscar, Luisinho, Júnior, Toninho Cerezo, Falcão, Sócrates, Zico, Éder e Serginho, comandados pelo eterno Telê Santana. Tudo ia bem até o fatídico dia 6 de julho, no estádio Sarrià, em Barcelona, quando o carrasco Paolo Rossi nos mandou para casa.
A da minha filha de 11 anos foi esta. Claro que não pretendo fazer uma analogia com a medrosa, pífia e perdida equipe do já ultrapassado Felipão, mas comparar os sentimentos de 32 anos atrás com o que passou minha filha no trágico dia 8 passado. Tínhamos praticamente a mesma idade em ocasiões que trouxeram fortes comoções à nação de chuteiras. Em suma, de que maneira a experiência e os anos vividos afetam os sentimentos? O que muda no intervalo de uma geração? O que pude ensinar e que ainda posso aprender com a Copa e o vexame dos 7 a 1? Vejamos.
Colaboração: até os mais desatentos perceberam a movimentação em torno de praças e bancas. Crianças e marmanjos sentados no chão trocando figurinhas e comemorando a cada página preenchida. Acompanhei e incentivei minha filha na jornada, mesmo que mal saiba ainda o nome dos jogadores. Além da colaboração, negociação e paciência, estabelecendo critérios para cromos brilhantes e sabendo que só a troca completaria o álbum a partir de determinado momento. Nada mal para uma filha única. Felizmente não fui chamado na escola, já que jogo de bafo é ainda coisa de menino.
Geografia: aproveitei para instigar sua curiosidade através de pequenas competições de perguntas e respostas, toda vez que víamos uma bandeira de algum país participante da Copa, correlacionando seleção, jogadores, grupos, jogos, continente e raça. O mesmo para os nomes das arenas e os locais dos jogos, desta vez com as capitais, estados, clima e relevo, tais como Arena das Dunas, Pantanal e Beira Rio. Tento dentro do possível acompanhar suas matérias escolares e geografia em especifico sabia que eram temas que estavam sendo abordados.
Prioridades: fui questionado sobre as manifestações e gastos em estádios padrão FIFA, enquanto pessoas morrem em filas de hospitais. A indignação e questionamentos das crianças de hoje passa longe da alienação que vivíamos há trinta anos. Ditadura e censura versus redes sociais e internet. Tentei tirar deste fato o conceito de definição de prioridades, trazendo exemplos da vida cotidiana, tais como pagar uma boa escola ou comprar um celular novinho em folha? Creio que tenha entendido, contentando-se com seu aparelho atual.
Regras: apesar do avanço das mulheres nos mais diversos campos, perguntas bizarras são ainda comuns, já que algumas se interessam pelo tema a cada quatro anos. Graças aos recursos tecnológicos utilizados nos intervalos das partidas, explicar o que é um impedimento tornou-se tarefa mais fácil à minha filha, que não foge a regra. Crianças e regras são a princípio indissociáveis e inimigas, todavia tentei explicar os motivos por trás das regras, assim como o que ocorreria caso não existissem. Tudo ia bem até que perguntou porque Suárez foi penalizado e Zuinga não. As vezes há motivos que nem adulto consegue traduzir.
Perda: emocionou-me vê-la vibrar na disputa de pênaltis contra o Chile, assim como me partiu o coração seu choro incontido já no quarto gol alemão. Acredito que tenha sido sua primeira grande perda, já que pude perceber de maneira nítida seus cinco estágios: negação, raiva, barganha, depressão e aceitação, através de suas perguntas e frases. “Pai, não acredito! Odeio a seleção! Preferia que não estivesse de férias para ver a seleção perder! Estou triste!” E finalmente: “Pai, tudo bem, daqui a quatro haverá outra Copa”. Aqui tentei não interferir em seu processo de dor, deixando que percebesse e curtisse cada estágio a sua maneira.
Vexame: por fim, já em sua fase de aceitação tentei reforçar o vexame que passou a seleção, toda vez que trazia a tona o assunto, envergonhando a si e ao país como um todo. Abordei com a pequena os conceitos de preparação e planejamento, importantíssimos não só para um evento como a Copa, mas também para o vestibular, provas e trabalhos. Podemos até não avançarmos ou sofrermos algum revés, já que perder faz parte do jogo, porém humilhação e vexame é algo que nunca podemos deixar que nos aconteça.
Enfim, fico triste por minha filha, cuja memória ingênua guardará para sempre o acachapante placar de 7 x 1 para a Alemanha, já que em 2018 estará mais interessada em paqueras e baladas, ao invés de 11 jogadores correndo atrás de uma bola. Quiçá em 2044 possa reescrever este artigo, revivendo com meus netos a história que vivi com ela. Espero que até lá esteja vivo, assim como tenhamos pelo menos mais uma estrela no peito.
Marcos Morita é mestre em Administração de Empresas, professor da Universidade Mackenzie e professor tutor da FGV-RJ. Especialista em estratégias empresariais, é colunista, palestrante e consultor de negócios. Há mais de quinze anos atua como executivo em empresas multinacionais.