“O que nós somos”, Crônica da Semana, por Nilson Lattari
Pensando bem, o quanto de decepcionantes somos nós quando nos transformamos naquilo que não queríamos ser!
E quantas vezes programamos as nossas vidas, nos mínimos detalhes, e quase sem percalços fazemos todo o caminho, chegamos no futuro, imaginando sentar em uma cadeira em uma varanda qualquer e olhar o mar, enquanto balançamos, e colocamos um sorriso na boca e pensamos: consegui!
Qual o valor entre uma vida programada, certinha, sem sustos e uma vida cheia de surpresas, caminhos desconhecidos, acabando a vida numa eterna gargalhada, como alguém que percorre um labirinto, brincando com o desconhecido e sai pela porta dizendo de outra forma: consegui!
Viver a vida programada é abrir o pacote do presente já sabendo o que está ali dentro.
Por outro lado, abrir o pacote do presente sem a menor ideia, ou mesmo tentar adivinhar, o que há ali dentro, podemos encontrar o que não imaginamos ou então podemos achar… nada!
Viver sem sustos é percorrer o caminho mais longo, enquanto o contrário é tentar o mais curto, mesmo sabendo que o salto no escuro pode nos levar a outros mundos.
E que ao escolher o caminho mais longo o caminhante jamais vai encontrar coisas diferentes em suas paradas de descanso.
Quem teria a melhor história para contar?
Contar a vantagem de saber programar a vida e poder dar lição de moral em alguém, dizendo que faça aquilo que eu digo e você não passará sustos, ou aquele que é capaz de sentar em volta de uma fogueira e conseguir prender a atenção das pessoas, narrando os acontecimentos de alguém que pisou em terras desconhecidas, viveu aventuras inimagináveis e é capaz de contar histórias de mundos que ninguém conseguirá reviver, porque a programação do imponderável não existe, e o que existe, o que é normal, uma grande parte da humanidade pode repetir.
Viver uma mesma história não deve ser mais emocionante do que viver uma história diferente a cada dia.
Experimentar o diferente tem suas vantagens e também as desvantagens. O susto é o olho arregalado e sentir as lágrimas rolarem.
Mas quanto de aprendizado tem ali dentro!
Se programamos a vida para não ter sustos, é como uma conta de matemática que chega sempre ao mesmo resultado, enquanto a vida no desconhecido, no salto, simplesmente, é cobrir de palavras um papel, inventando o que não existe e brincar no impossível, construir mundos diferentes.
Quando nos transformamos naquilo que devemos ser, nos tornamos mestres enfadonhos, obrigando a todos a percorrer o mesmo caminho e fazendo do mundo a mesmice enfadonha.
Quando não fazemos ideia daquilo que nós seremos, viramos mestres dos disfarces, ensinamos atalhos que descobrimos, e revelamos um mundo imaginário, que só os que se propõem aos desafios serão capazes de viver.