fbpx

“Por onde anda a dor?”: Crônica da semana

Foto de Road Trip with Raj en Unsplash

Por Nilson Lattari*

          Como dói a dor de um jogador que se contorce, rolando pelo campo, depois de uma falta “dura, duríssima”, do adversário. Ele pode reagir de várias formas: permanecer com o rosto no chão, rejeitar com palavrões o adversário que vem “consolá-lo” ou então sair lépido e faceiro quando o árbitro, muito bem localizado, se recusa a dar a falta solicitada.

          Nos Reality shows, os personagens se contorcem em choros quando se julgam ofendidos pelos outros participantes, ou se veem envolvidos em uma fofoca na única tentativa de derrubá-los, cochichando falsos segredos, ou apontando as falhas de caráter de fulano ou beltrana.

          Tudo faz parte do espetáculo, mesmo o futebol jogado ao ar livre, como o circo, as festas de rua, ou então aquele outro fechado em recintos onde somente privilegiados podem assistir a totalidade das mazelas que envolvem personagens, meros jogadores em um jogo de cartas marcadas.

          No futebol, ainda existem as imprevisibilidades do próprio, essência do jogo, motivo dos gritos e apupos da plateia, ao contrário dos Reality que somente enxergam reações do público nas votações, no melhor estilo de um jogo voraz em busca da celebridade.

          O primeiro é um espetáculo, o segundo uma representação, mas nem um nem outro estão isentos da Dor.

          O que está em jogo é o sofrimento da plateia, energizada pelas supostas infringências que acometem os personagens, representando aparências inúteis que não levam os próprios a lugar nenhum.

          O jogador que se contorce em dores a rolar pelo campo, as indignações de personagens que choram e gritam arvorando a suposta honra atingida não são as maiores dores e atentados à honra que possam existir. São momentos simbólicos em que a plateia pode interagir sobre a Dor, sobre o sofrimento, e saboreiam juntas a busca dessa interação.

          Não são as dores e desonras que acometem os povos, nos distantes, geograficamente, lares d’África, ou os atentados pelo mundo, nem mesmo a guerra que nos trazem a Dor.

          Essas dores estão distantes, vistas de uma relativa zona de conforto, que não explodem nas poltronas da assistência, muito mais ligada a personagens que possa manipular, seja com vaias, aplausos ou votos pelo telefone e se apresentam apenas nos comportados telejornais, com uma certa monotonia, um desfilar infindável de desastres que nos indignam, mas não trazem a exata dimensão da Dor.

          Ninguém sabe ou saberá a Dor que o outro sente e nem por onde ela anda, a não ser que ela venha até nós e doa. A interação com a Dor do jogador que rola, o choro de alguém que sofre à distância ou a dor em quem votamos pelo telefone são as dores do nosso próprio tempo. Somos assistentes e críticos dela como personagens, como se fôssemos para sempre imunes a ela.

*Nilson Lattari. Graduado em Literatura pela UERJ e especialização em Estudos Literários pela UFJF. Fui primeiro colocado em crônicas no Prêmio UFF de Literatura, 2011 e 2014, e terceiro colocado em contos pelo mesmo prêmio em 2009. Primeiro colocado em crônicas prêmio Darcy Ribeiro – Ribeirão Preto, 2014. Finalista em livro de contos Prêmio SESC de Literatura 2013, finalista em romance Prêmio Rio de Literatura, 2016, além de várias menções honrosas em contos, crônicas e poesias.