Quando os jovens brilham
O clima foi de enorme tensão. Afinal, eram mil jovens de 53 países que ali estavam para provar que são bons em suas profissões. Todos seriam submetidos a provas duríssimas. As tarefas teriam de ser feitas com rapidez e precisão. Os avaliadores estavam atentos. Assim são as difíceis provas das Olimpíadas Mundiais do Conhecimento (World Skills), que, neste ano, se realizaram em Leipzig, na Alemanha.
Os brasileiros competiram com jovens de países avançadíssimos. E, mais uma vez, brilharam. É isso mesmo. Quarenta e um alunos formados pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) e pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac) provaram ser os melhores do planeta em suas profissões. O Brasil ficou em 5º lugar em número de medalhas, com 52 pontos, atrás de Coreia do Sul (89), Suíça (73), Taiwan (65), Japão (56). Os alunos do Senai conquistaram as disputadíssimas medalhas de ouro, prata e bronze em mecatrônica, fresagem, soldagem, polimecânica, eletricidade, caldeiraria, design, refrigeração e outras. Foi um sucesso magistral!
É pena que a grande imprensa do Brasil tenha dado tão pouco destaque ao certame. Além das vitórias individuais, o feito tem enorme significado econômico e social. Isso porque a falta de profissionais qualificados é um dos mais graves entraves para as empresas brasileiras. A sua oferta é restrita. Menos de 7% dos nossos alunos estão em cursos profissionalizantes. Na Alemanha, são 50%. Não é à toa que aquele país exibe os mais altos níveis de produtividade e de competitividade.
O Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec) promete dar uma arrancada na formação desses profissionais. Isso é mais do que necessário. Ao longo desta década, o Brasil precisa formar cerca de 1,1 milhão de jovens anualmente nesse nível. Isso é bom para as empresas e para os estudantes, pois a grande maioria progride na vida, se emprega no primeiro ano e desconhece o desemprego. Os salários iniciais ultrapassam a casa dos R$ 2 mil, em média, e chegam a R$ 6 mil (e até mais) depois de alguns anos de trabalho.
Os campeões de Leipzig, é claro, estão acima disso. Antes de serem premiados, já eram disputados pelas grandes empresas. Agora, passam a ser convidados para se tornarem professores das escolas técnicas e para prosseguirem em suas carreiras no nível superior. Louvável foi a iniciativa da Confederação Nacional da Indústria (CNI) ao oferecer bolsas de estudos a todos eles. Veio em boa hora. O Brasil acaba de regredir no campo da competitividade, tendo descido da 32ª para a 51ª posição entre os 60 países pesquisados pelo Instituto Internacional para o Desenvolvimento Empresarial (IMD), da Suíça. É verdade que muitos fatores afetam a competitividade, como é o caso da infraestrutura, do câmbio, dos juros e da carga tributária — mas a educação ocupa lugar central.
A produção moderna avança com base nos conhecimentos. Alan Greenspan mostrou que o PIB mundial nos últimos 50 anos disparou quando medido em valores econômicos. Entretanto, diminuiu muito quando se considera o seu peso físico. É uma observação interessante para a qual eu mesmo estava desatento. De fato, um automóvel dos dias de hoje pesa muito menos do que os carros de 50 anos atrás. O mesmo acontece com um avião, um refrigerador, um computador, uma máquina fotográfica, uma calculadora e um telefone. Aliás, esses quatro últimos aparelhos estão compactados em meu celular, que pesa 100 gramas, quando, no passado, juntos, pesavam 20 quilos.
O que isso tem a ver com educação? Muita coisa. A redução do peso físico dos bens produzidos decorreu do avanço da pesquisa que criou novas ligas, fibras avançadas, assim como explorou a flexibilidade do chip e outras inovações que revolucionaram os processos e a produção. Nada disso teria sido conseguido sem uma educação de boa qualidade, em todos os níveis.
As empresas modernas precisam desesperadamente de profissionais bem preparados e que, sobretudo, sejam capazes de pensar. Profissionais que tenham bom senso, lógica de raciocínio, boa capacidade de escrever, ler e entender e, finalmente, que dominem bem a sua profissão. Nos dias atuais, não basta ser adestrado. É preciso ser educado, e bem.
As novas tecnologias entram nos sistemas de produção a uma velocidade irreconhecível. Só a boa educação permite acompanhar os progressos. Convenhamos. O que realmente conta para a realização pessoal e para a competitividade global é a educação de boa qualidade. A “enganação” que infelizmente prospera em muitas escolas, mais frustra do que ajuda. Os que nelas se formam não encontram trabalho condigno. Numa palavra, educação de má qualidade em nada ajuda na ascensão social e no progresso das nações.
Os ganhadores do World Skill demonstraram que o Brasil possui ricos nichos de excelência no campo da formação profissional. Eles deixaram ainda a lição de que esses nichos precisam ser multiplicados mediante um esforço bem gerido de investimentos educacionais.
O Congresso Nacional acabou de aprovar 75% dos royalties do pré-sal para a educação. Para que esses recursos se transformem em educação de qualidade será urgente investirmos desde já — e pesadamente — na preparação daqueles que vão fazer a gestão dos programas educacionais, incluindo-se aqui, é claro, professores, orientadores e diretores de escolas. O modelo de gestão pragmática do Senai e do Senac está aí para ser estudado e praticado.
* José Pastore é professor de relações do trabalho da FEA-USP e membro da Academia Paulista de Letras