Realmente, só reconhecemos a empatia quando precisamos do outro
Por Nilson Lattari *
A palavra existe, o sentimento nem tanto. Muitas palavras com significado humano povoam nosso vocabulário, e poucas delas são usadas no seu sentido benéfico, com a amplitude que, supostamente, representam. Digo, supostamente, porque a deturpação do grau de sentimento e a seletividade com que elas são aplicadas tornam inócuas as suas representatividades.
A morte do ator que representou o Pantera Negra me causou um sentimento que poderia chamar de empatia. Quando fiz uma crônica associando o personagem herói de Wakanda com o imigrante africano na França, que saiu em resgate de um bebê que poderia cair do alto do prédio, e a sua determinação em escalar o imponderável e salvá-lo, tentei mostrar que nós somos iguais de verdade. Mas, só reconhecemos isso quando precisamos, realmente, do outro. Na hora do perigo e da necessidade não enxergamos, e até agradecemos que o outro ser humano se lance em nossa direção, arriscando-se para nos ajudar, não importando de onde venha a ajuda.
Empatia e ajuda andam juntas, mas empatia não pode andar associada a interesse. Ela tem que ser natural. Vinda de dentro de nós, não para sentir a dor do outro, porque isso não é possível, mas para correr em sua direção e confortá-lo, consolá-lo, não imaginar que podemos entender como funcionam mundos distantes, mas aceitar as suas existências.
A doença terrível que o ator contraiu foi solitária. Não a revelou, a conteve e prosseguiu seu trabalho, mostrando que a sua força era bem maior do que a do personagem que representou, mais isolada, cruel, e foi o personagem que fez com que pudesse avançar na vida, continuar vivendo e realizando seu sonho no cinema.
Independente de representar a raça negra como seres capazes de grandes realizações, Wakanda mostra que é possível que uma cultura se agigante percorrendo seus próprios caminhos. Compreender Wakanda, suas forças, seus defeitos, contradições, que existem em nosso mundo, é empatia. Principalmente, quando ela vem em nosso socorro, comprovando que precisaremos sempre, uns dos outros.
Boseman se foi, e levou com ele o personagem. A sua batalha foi insana, mas demonstrou que enfrentá-la foi sua única opção. Porque diante da adversidade a única maneira de viver é enfrentando, com coragem.
Não temos contra esse Thanos viral nenhuma equipe de super-heróis para nos ajudar. E a única possível é a empatia, é essa junção de empatias que deveria formar uma corrente envolvendo todos nós.
Boseman nos deixou sós, mas sua história, como a de tantos outros anônimos que se lançam em nossa ajuda, sem que nós saibamos, continuará a existir. O egoísmo é o real inimigo, representado pela inveja na capacidade do outro em conseguir superar obstáculos, e outros, que se enraízam na falta de empatia, disfarçados na fantasia da negação e do falso moralismo, fazendo da empatia um personagem secundário, bem longe da Wakanda isolada que existe dentro de alguns.
Infelizmente, em um mundo onde alguns dizem que os seus pensamentos são os corretos e os outros errados, na maioria das vezes, embasados nas falsas premissas que levam às conclusões falsas.
Mentira e empatia não andam juntas.
O autor Nilson Lattari. é graduado em Literatura pela UERJ e especialização em Estudos Literários pela UFJF. Fui primeiro colocado em crônicas no Prêmio UFF de Literatura, 2011 e 2014, e terceiro colocado em contos pelo mesmo prêmio em 2009. Primeiro colocado em crônicas prêmio Darcy Ribeiro – Ribeirão Preto, 2014. Finalista em livro de contos Prêmio SESC de Literatura 2013, finalista em romance Prêmio Rio de Literatura, 2016, além de várias menções honrosas em contos, crônicas e poesias. A foto 01 é do site Mundo das Mensagens.