Num passado remoto, há mais de 10 mil anos, mastodontes, toxodontes – mamíferos parecidos com hipopótamos –, preguiças gigantes, dentre outros animais de mesma estatura, habitavam soberanos na região onde hoje está situado o município de Anagé. Comiam gramíneas e pastagens naturais, enquanto transitavam livremente em meio à mata aberta. Sobreveio, então, um tempo de chuvas abundantes, que impôs uma mudança gradual e brusca na flora nativa. A vegetação tornou-se densa e fechada, o que teria causado a extinção desses animais. O clima chuvoso é algo quase impensável nos dias de hoje, quando a Bahia experimenta a pior seca dos últimos 60 anos. Curiosamente, foi a seca que permitiu remontar, hipoteticamente, a estrutura da fauna e da flora da região de Anagé, desde a última glaciação, no período conhecido como Pleistoceno. Quando as chuvas eram abundantes, a água se acumulava em reservatórios conhecidos como tanques, cavidades naturais do lajedo cristalino, muito comuns no Sertão. No final do ano passado, um produtor rural, ao fazer a limpeza e retirada de sedimentos de um tanque d’água de sua propriedade, que pela primeira vez havia secado por conta da longa estiagem, encontrou uma determinada quantidade de fósseis. Surpreso, o proprietário entrou em contato com o Museu Geológico da Bahia, que requisitou à Uesb fosse realizada uma expedição ao local, com o objetivo de proceder à identificação do material recém-descoberto. Duas equipes, uma do campus de Jequié e outra do campus de Vitória da Conquista, foram ao local, que recebeu a alcunha de “tanque arqueológico de Anagé”. Após novas escavações, o que destampava diante dos olhos dos pesquisadores não deixava dúvidas. “Foram descobertos ossos de uma fauna de animais gigantes, chamada de megafauna, que habitavam a região há cerca de 10 mil anos. Essa fauna encontra-se extinta”, relata o professor Eduardo Silveira Bernardes (foto), do Departamento de Ciências Naturais (DCN) da Uesb, campus de Vitória da Conquista, que participou da expedição. No laboratório de Geologia do campus estão a mandíbula de uma preguiça gigante (foto) e partes ainda não encaixadas do que parece ser um toxodonte (foto). Boa parte do material colhido foi para o campus de Jequié, cuja equipe de expedição ao sítio fossilífero foi coordenada pelo professor Luciano Artêmio Leal, do Departamento de Ciências Biológicas (DCB). Argila preta Os fósseis descobertos num tanque de Anagé eram apenas peças desse instigante quebra-cabeça. Evidenciavam respostas quanto à fauna, mas, por si só, não eram capazes de contar a história da flora nativa. Então, o olhar atento do pesquisador Eduardo Bernardes o levou a identificar uma substância presente sobre a ossada. Como uma chave que abre a porta para um passado remoto, lá estava, intacta, certa quantidade de argila preta (foto), cujos polens que se apresentam nessas condições guardam informações exatas sobre o tipo de vegetação do período que a gerou, ou seja, o Holoceno, que sucedeu o Pleistoceno. “A argila preta só se forma em condições em que não há arrasto de sedimentos do solo. Ela é um indício de que o solo não estava mais descoberto como antes, quando predominava a megafauna”, explica Bernardes. Uma camada dessa argila está também no Laboratório de Geologia da Uesb. Certa quantidade da substância foi enviada para datação em um laboratório de Miami, nos Estados Unidos. Com o resultado, será possível afirmar a época exata da flora nativa contida nos vestígios da argila preta, preservada ao longo de eras num local improvável, haja vista as atuais características geofísicas da região de Anagé. Hipótese científica Ainda de acordo com Eduardo Bernardes, existem duas correntes de pensamento sobre a extinção da megafauna. Uma afirma que o motivo do desaparecimento foi a predação humana. A outra sustenta que a mudança na vegetação teria causado a extinção. “Com a chuva abundante, teria se desenvolvido uma vegetação de mata mais fechada, impedindo que a megafauna pudesse coexistir com essa vegetação, então, causando a sua extinção”. O achado no tanque arqueológico da região de Anagé corrobora a segunda hipótese. Eduardo Bernardes e Luciano Artêmio Leal agora trabalham na produção de um artigo científico sobre o tema. Aos poucos, os fósseis encontrados estão sendo identificados e classificados. Enquanto isso, outros estudos, como o de palinologia, encomendado pela Uesb ao Laboratório da Universidade Federal de Palmas/TO, permitirão ratificar ou refutar a hipótese levantada a partir da descoberta. “A argila preta por si só é um indício de um clima predominante na região. Significa que o solo estava recoberto, isso nós já temos certeza, e que havia abundância de chuvas, para manterem o tanque permanentemente coberto de água. Caso contrário, a argila preta teria se decomposto”, sustenta Bernardes. É a ciência, mais uma vez, servindo de ponte com tempos tanto distantes quanto distintos, levando o homem a entender melhor o meio em que vive. Assessoria de Comunicação |