“Um amor perdido é perdido?” Crônica da Semana, por Nilson Lattari
Perder alguma coisa é não achá-la em lugar nenhum. É perder, dar três pulinhos e apelar para São Longuinho.
É ficar remoendo na memória onde foi a última vez que nós estivemos frente a frente com o objeto, refazer a caminhada.
Olhar os possíveis lugares, debaixo das camas, dos armários, escarafunchar gavetas, folhear papéis.
É alguma coisa que não está em lugar nenhum, que sumiu, evaporou, como se nunca tivesse existido, somente nós sabemos que existiu.
Se o amor existe, ele é algo etéreo, que você não pega, não guarda nas gavetas, não desorganiza no meio de papéis, que pode escorregar para baixo das camas, dos armários, pelo ralo.
Não. Mas, o amor bate na porta, a gente sente, habita nossa memória, traz um desassossego, amor encontra caminhos para se encontrar, como dois ímãs que se atraem.
Que coisa, esse tal de amor que a gente pega e não vê, que fere sem ter fogo, que ateia sem queimar! Como se pode perder algo assim?
Quando perdemos o amor, perdemos a capacidade de amar? Por que perdemos amor se ele continua dentro de nós?
Até mais intenso, mais frequente, ocupando os espaços, grande, grande. Como se pode perder algo assim?
Que a gente vê, está ali, a gente sente, que nos faz chorar, como se o tivéssemos nas mãos sempre, sempre a nos olhar.
O amor perdido é algo que vai embora, mas não é nosso.
Que a gente vê caminhar para longe, com a bolsa enfiada no peito, as mãos enfiadas nos bolsos, como se sentisse frio, calor, sei lá.
Ele se vai, perdido, deixando dentro da gente o que é nosso, um amor que não pode ser perdido, porque nos pertence.
Então, por que perdido?
Não! Ele não nos deixa e nós o perdemos. Ele nos deixa perdido dentro de nós mesmos.
Ele se perde na solidão dentro de nós, porque o amor sem o outro não é amor, é angústia. Ele não se perde, ele nos abandona.
Felizes os que amam e são amados, porque não estão perdidos dentro de si mesmos.
É possível achar um amor perdido? É mais fácil nos achar-nos.